São Dimas perdoa piratas?

 

(Arte de Silvio Haddad)

1659
 
    O inverno escocês castigava a costa que abrigava a igreja de São Dimas. Nas ameias dos grandes paredões que protegiam a catedral das ondas, estava um garoto que brincava com uma ferramenta nova que havia chegado para os monges. O artefato tinha formato cilíndrico e era brilhante, se tratava de uma luneta. O garoto não devia estar com aquilo em mãos, mas era curioso e percebeu que aquilo lhe dava uma visão além do alcance. Foi então que apontou para o mar na esperança de ver piratas ou navios da marinha. Mesmo tendo esperanças não achou que veria, de fato, um barco; Um barco grande e cheio de velas brancas e em seu casto lia-se "The Fancy". O menino sentiu sua alma sair do corpo e voltar, de tão gelado que sentiu seu coração. Disparou em direção a sala do bispo e disse:

-PIRATAS, FREI JHON, PIRATAS LOGO ALI FORA!! O NAVIO DE HENRY AVERY!!

    O frei parou seus afazeres e olhou por cima de seus óculos serenamente, andou até as ameias, olhou pela luneta e suspirou. Preparou os irmãos para a recepção, todos eram bem vindos na casa de Deus. Um único homem veio em direção a os portões da igreja, que foram prontamente abertos. O frei suava frio e temia pela segurança dos seus irmãos, mas também tinha fé de que o Senhor estava com ele. O homem se vestia muito bem, como um lorde inglês. Estava mais bem vestido do que o próprio lorde que visitava a catedral anualmente.
-No que a casa de Deus pode ser-lhe útil?- Indagou o bispo preocupadamente.
-Vim a negócios homem santo, preciso conversar com o responsável pelo lugar-Respondeu o homem de modo altivo-De prontidão os monges saíram do salão comunal e deixaram apenas o homem e o bispo.
-Diga-me então, meu lorde, de quais negócios estamos falando?
-Simples, eu pretendo comprar essa terra e a igreja junto. Além disso, não sou lorde algum. Mas antes entrarmos em detalhes posso pedir uma confissão?
-Claro, meu filho-O Bispo se preparou e fez a liturgia necessária para o começo da sessão.  
-Perdoe-me, padre, pois eu pequei.
-Diga-me seus pecados e Deus te perdoará.
-Eu matei, roubei, pilhei, queimei, violei e todo ato vil que há nesse mundo, eu pratiquei. Mas que Deus, todo poderoso e piedoso, saiba que nunca tireia a vida de um homem que servisse a coroa britânica. Fui fiel ao meu soberano mesmo nos momentos mais íntimos, nunca nem sequer pensei em trair aquele que eu sirvo. 
-Mas meu filho, você se arrepende?-Perguntou o sacerdote com o coração pulando em sua garganta.
-É claro padre, conte-me, por favor, a história dos homens que foram crucificados juntos a Jesus?
-Si...sim, claro. Quando Jesus, filho de Deus, foi levado a cruz, dois homens estavam ao seu lado. Um deles gritava e desafiava o Senhor que já que ele era o Cristo, então que ele salvasse a si mesmo e a os bandidos. Porém, o outro homem, São Dimas, se mostrou temeroso a Deus e respeito Jesus, um homem inocente, ao mesmo tempo em que arrependeu-se de seus atos pecaminosos. E então Cristo lhe disse: "Em verdade te digo que hoje estarás no paraíso comigo".
-Foi assim que vivi minha vida-disse o pirata com lagrimas em seus olhos-Vivi a vida que não deveria ter vivido e me arrependo dos meus atos terríveis. Contudo, não me arrependo nem por um segundo de ter servido ao meu suserano. Por isso, quero comprar esta terra, homem santo. Preciso estar em contato com o divino e com meu padroeiro.
-Mas meu filho, como eu poderei fazer tal coisa? Essa é uma terra sagrada, é a casa de Deus! Como poderia eu vender a casa de Deus?
-Padre, eu sei que você e seus irmãos passam necessidade e que o Senhor designado a cuidar de suas terras o negligência veementemente. Eu lhe garanto, por tudo que é mais sagrado que cuidarei desse lugar. Preciso de um espaço para enterrar meus irmãos em armas, aqueles que caíram sob meu comando. Aqui um dia será também meu próprio lugar de descanso final. 
    O bispo estava pensativo e receoso, era bem verdade que a cada dia que passava se tornava mais difícil manter as barrigas dos monges cheias. O bom dinheiro que vinha da igreja estava cada dia mais escarço e o Lorde local desdenhava da catedral, já que pretendia ele mesmo construir outra em outro lugar. Uma que não fosse "dedicada a um santo ladrão", dizia o nobre. O pirata tirou de dentro de sua casaca um papel que tinha escrito um valor. O padre se assustou com o valor, era mais do que o necessário para comprar novas terras em um lugar onde conseguisse atrair mais fiéis. 
-Muito bem, senhor Avery. Eu lhe venderei a propriedade, mas peço que não profane esse lugar com os crimes e pecados que existiam em sua antiga vida- Ao fazer um sinal com a mão para Avery o padre encerrou:
-Per gratiam sanctificantem per poenitentiam agentem, qui est Dominus, non excusantur a peccatis tuis. In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen.
    O padre saiu da sala e começou a explicar a situação para os outros irmãos. No inicio se mostraram resistentes a abandonar a igreja, mas com o tempo e persuasão perceberam ser a melhor escolha. Inicialmente os piratas ajudaram os monges a desocuparem a igreja, depois, como agradecimento, os monges ajudaram os piratas a levaram suas coisas até a igreja. Após mais de um dia de mudanças, os dois lados acabaram criando uma amizade sincera. Os dois lados tinham muito em comum, ao mesmo tempo que eram oposto. Os monges viviam em reclusão por não saírem de um local e só tinham contato com seus irmãos, já os piratas viviam isolados por nunca ficarem no mesmo lugar e só tinham contato com seus companheiros. 
    Quando se despediram o garotinho que avistou o barco foi até o bispo e perguntou:
-Senhor, São Dimas perdoa piratas?- Com uma gargalhada cheia e contente, ele respondeu-Quem perdoa é Deus meu filho, São Dimas só guia-os para a redenção!

Photo by: Adri Otero

    Esse foi rápido né?! Mas enfim, estava jogando Uncharted um dia desses e, lendo uma das notas que se acha no jogo, me inspirei a contar essa passagem de ficção histórica que é mencionada, mas não é elaborada nem explorada no jogo. Esperam que tenham curtido!

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