Um último voo

 


    A noite era fria no Guarujá. Apenas em alguns dias a dentro do inverno casacas e cobertores já começavam a se fazer necessárias. No luxoso Grand Hôtel de la Plage já eram feitos os preparos para o famoso Santos Dumont ir recolher-se. Seu sobrinho planejava uma viagem à capital. As notícias de uma possível guerra dada à Revolução constitucionalista preocupavam Jorge Dumont que tinha negócios na capital.

    Naquele mesmo dia Santos Dumont ouviu aviões sobrevoando a cidade. Sabia que tinham intenções militares.  O simples relance do pensamento das possíveis vidas que sua invenção tiraria era horrível. Mas era um homem que entendia as necessidades do mundo moderno. Enquanto uma camareira já o servia com seu costumeiro conhaque antes de dormir Dumont, já com uma bengala e mancando, sentava-se em uma velha poltrona em frente a pequena sacada e apreciava os ir e vir das ondas iluminadas pela luz branca da lua cheia. O cheiro da maresia era impregnante e ao mesmo tempo revitalizante. Pensou por um breve momento que talvez devesse ter aproveitado mais as praias francesas. 

    As camareiras se foram e com elas algumas horas. Passado da meia-noite e o inventor continuava absorto em seus devaneios do passado. Mas velho costumes não morrem, conseguiu ouvir o leve cair de pés atrás de si e apenas comentou:

-Vieram de tão longe apenas por mim? Que lisonjeio, monsieur - O sotaque franco era carregado e notável na voz áspera.

        A sombra hesitou. A respiração fez-se presente seguida por um leve riso.

-Mesmo definhando ainda não perdeu todos os seus dons, monsieur Dumonta voz era suave e melódica como o idioma francês o é.

    A sombra saiu a luz da lua, era alvo como a própria. Cabelos longos, ondulados e escuros e olhos vermelhos penetrantes. Seu rosto era fino e passava maledicência. Os lábios finos e de um rosa despontavam finos caninos que logo sumiram com a conversa. 

-Diga-me, ton démon, finalmente veio terminar o que começaram em Paris? Vós temes-me ainda em face de minhas enfermidades?- Um silêncio apreensivo se seguiu.   

-Achaste que poderia fazer tudo o que bem entendesse com nossa família e viveria para morrer tranquilo em vossa cama rodeado de parentes? Quantos dos meus não morreram nas vossas mãos? Quantos pereceram perante o vosso grupo? Putain!

-Monsieur e foram injusta algumas dessas injurias? E não foi pelo bem do povo Francês? Merde, pelo bem de toda a humanidade?

-E a justiça não é apenas um conceito tosco para suportar a pífia existência mortal? Se sabes tanto, então responda-me, monsieur Dumont. Se todos fossem do meu tipo, não seria injusto o que VÓS atentou? Queimou, empalou, esquartejou centenas dos meus. Isso não é, afinal, o que a vossa espécie chama de... Genocídio?

    A pergunta caiu como uma pedra no estomago de Dumont. Não se passava um dia sem que se perguntasse se havia volta para aqueles infectados. Mas mesmo que aquele fosse o caso e tivesse que pagar a sua divida com o criador estava mais do que preparado. Havia feito o que acreditava ser certo e sabia, acima de tudo, salvara muitos inocentes.  

-Os justos não hão de pagar pelos vossos crimes enquanto os meus viverem. Aqueles que escolherem permanecer no caminho da virtude não deverão ser coagidos por vós, ímpios acolhedores dos pecados mais vis. 

-Tu es si inocent, realmente acreditas que se fosse dada a escolha a cada ser humano entre a mediocridade da mortalidade e a glória da imortalidade escolheriam a primeira? Claro que não. Acreditar no contrário só prova o quão delirante monsieur se encontra. 

-Que novecentos e noventa e nove escolham o pecado e a injustiça, se apenas um escolher o caminho da virtude e da justiça terá valido a pena. Uma alma vale a pena todo o meu sofrimento, pois amo-a como se fosse a mim mesmo!

-Então saiba. inventour, que sua obra irá massacrar e matar mais do que algum dos meus jamais matou - uma risada diabólica se seguiu -  morra sabendo que você é o autor e arquiteto da destruição de sua própria espécie. 

-Dieu, pardonne moi.

        E com essas últimas palavras escorriam as lágrimas de Santos Dumont. O vento batia forte e enquanto se debatia com o sufocamento seu tradicional chapéu voou por cima da areia dura do Guarujá até às águas da praia que o levaram como um último presente. 



    Eai galerinha, começamos o segundo desafio. Desafio de crossover. Esse foi o crossover Santos Dumont com um universo de vampiros. Espero que tenham gostado e obrigado Miguel pela indicação!



     

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