Um sorriso para o fim

 



    Aquela região de Ferelden costumava ser mais quente. Karl, em cima de seu cavalo negro, ia esfregando suas mãos e as baforando de tempos em tempo. Até que um homem gordo a sua frente, em um cavalo malhado, diminuiu o ritmo e perguntou:

-O que sabe sobre a nossa carga?

    Era a primeira vez que aquele homem com um corpanzil desajeitado fazia esse tipo de serviço, sua barba era rala e branca e suas bochechas muito vermelhas, sua careca era enrugada, assim como seus olhos. O questionador, quase caindo de seu cavalo, se referia à figura encapuzada em um cavalo cercado por três outras. Esses últimos usavam as mesmas vestes em panos pretos.

-É o tipo de carga que o quanto menos você souber, melhor.

    Karl era um mercenário e não tinha nenhuma glória notável em seu histórico, mas era esperto o suficiente para saber que aquilo não era algo normal. Os quatro homens encapuzados chegaram à cidade oferecendo dinheiro para quem os acompanhassem até West Hill. Eles claramente não procuravam por guerreiros muito habilidosos, se não o pançudo não haveria sido contratado. Tudo era feito para parecer um grupo de refugiados perdidos. O dinheiro oferecido não era grande coisa, mas Karl já iria naquela direção, então um dinheiro extra e companhia para as estradas era um bom motivador para antecipar sua partida. Mas estava claro que aqueles não eram apenas viajantes a procura de companhia para sua viagem. Um dos homens estava acorrentado, porém apenas o gordo e Karl tinham visto isso na noite passada. Enquanto levantavam acampamento, viram de relance a foscas correntes grossas. Isso tinha dado a impressão para o homem volumoso que Karl e ele compartilhavam agora um segredo e isso os tinha unido de alguma maneira.

    Karl era alto e tinha apenas um bigode volumoso, seu cabelo era raspado nas laterais deixando apenas um topete acima, seu nariz era empinado e sua boca fina. Seus olhos castanhos eram afiados e inquietos, como se procurasse alguma coisa a todo o momento.

    A figura em cima do cavalo malhado se emburreceu com a falta de resposta satisfatória e se adiantou novamente. O frio começava a se intensificar, Karl já começava a estranhar, pois desde que chegara a Ferelden nunca havia sentido temperatura tão baixa. Algo estava errado e podia sentir isso em seus ossos congelados. De onde ele vinha, fenômenos como esses geralmente eram trazidos por homens de poder. Mesmo com seu sentido tinando, nada fora do normal aconteceu aquele dia. Bob, o homem gordo, tentou se aproximar dele mais de uma vez durante a janta para trocar algumas palavras, contudo Karl sempre encenava estar ocupado com algo para que Bob não tentasse o abordar. Naquela noite afiou sua espada, como se já esperasse que a manhã trouxesse problemas.

    A manhã foi silenciosa, raramente os encapuzados falavam algo e quando o faziam era curtos e rápidos. A figura acorrentada sempre se mantinha em absoluto silêncio, ninguém se atrevia chegar perto dele, como se pudessem sentir que algo de sinistro sondava-o. Após seu dejejum Karl pôs-se a preparar-se e não tomou o costumeiro ultimo lugar na fila em que faziam. Havia 5 homens; Karl, os encapuzados, Bob e um outro homem magro e de poucos neurônios. Karl sabia que se algo acontecesse iria querer estar perto dos encapuzados e não dos aldeões com cavalos pangarés e armas enferrujadas.

    Nas primeiras horas de marcha adentraram um bosque, a trilha ali não era das melhores e às vezes seu cavalo tropeçava e cambaleava. Dos dois lados da trilha se via apenas árvores e arbustos secos. Um pouco antes que parassem para o almoço, a neve começou a cair. Aquele era o atestado final de que algo estava errado. Ainda era muito cedo no inverno para aquele tipo de coisa ocorrer e já estavam próximos de mais da costa para aquilo sequer acontecer. Alguns minutos de neve foram interrompidos com um estampido. O homem mirrado que ia logo atrás de Karl deu um urro e logo em seguida secou como um graveto, era como se todo seu interior tivesse sido sugado. Logo em seguida uma luz verde e vermelha começou a sair da boca do mesmo e ir flutuando em direção as arvores. Karl sentiu um enjoo e vomitou, havia resistido. Porém seu cavalo começava a se mover nervosamente e de maneira que, após o enjoo constante, não foi possível se segurar. Antes de cair apenas viu três dos encapuzados jogando seus mantos para cima e sacando suas espadas. Viu claramente no peito de suas armaduras o que temia ha alguns dias, eram templários. O que significava apenas uma coisa.

    Mas antes que pudesse processar tudo isso em sua mente, seu cavalo o derrubou, fazendo-o rolar pela terra molhada cheia de folhas. Suas vestimentas foram empapadas de barro, vomito e folhas. Levantou-se em um sobressalto usando de seus braços e a força de suas costas, para poder analisar brevemente os seus arredores. Apenas um aldeão estava vivo e se segurando em seu cavalo, Bob havia se mostrado impressionantemente resistente ao encantamento. Talvez a proximidade de sua vila com Ozzamar significasse que sangue anão corria em suas veias e, como é de conhecimento geral, em Ferelden, este era um povo muito resistente à magia, graças a sua exposição às rochas de Lirio Azul.

    Cavalos corriam desesperadamente sem rumo. Karl sacou sua espada, enraivecido. Os templários haviam sido imprudentes. Estavam viajando sem seus escudos em nome da discrição, mas isso afetava uma de suas grandes defesas à aquele tipo de ataque. Ele sabia que aquela era uma luta perdida. Os templários lutavam com figuras esguias e velozes que se aproximavam a o mesmo tempo que desviavam e desencantavam feitiços com suas mãos. O encapuzado acorrentado permanecia imóvel no centro, assim como seu cavalo. Não havia tempo para aquilo. Bob deu um olhar para Karl e o viu partir em direção as arvores e logo cutucou seu cavalo para segui-lo.

    Karl corria com a espada em mãos, mesmo não sendo algo seguro sabia que o inimigo que enfrentava usava de truques ardilosos e precisava estar sempre pronto para se defender. O cavalo malhado de Bob passou correndo por Karl, o que salvou sua vida, já que o cavalo dez metros a frente foi engolido por fogo vindo do chão. Um barulho de explosão tomou conta dos ouvidos de Karl e um zunido que o impediu de se concentrar apropriadamente se seguiu - “Armadilhas? Quem esses magos esperavam encontrar aqui?”- Karl parou de súbito com o susto. Novamente provando sua resistência, Bob estava vivo e se rastejando no chão, não conseguia ver a parte da frente do homem que se contorcia. Não teve tempo para se preocupar com o rechonchudo, pois logo em seguida se viu cercado por criaturas assustadoras.

    Eram cinco delas e elas encaravam com suas cavidades vazias de conteúdo material. Tinham apenas ossos com trapos apodrecidos colados por tudo. Três deles carregavam espadas extremamente enferrujadas, enquanto outros dois possuíam um arco cada, sem corda, sem flecha, mas isso não os impediria de atirar. Eles se moviam lentamente, como os demônios que os possuíam costumavam ser dentro e fora da fenda. Eles partiam com vontade para cima de Karl, o primeiro foi mais veloz que os outros dois e tentou acerta-lo de cima para baixo em uma linha reta. Denunciou sua movimentação, além de agir mais lento do que um humano agiria, no entanto era muito mais forte. Karl sabia que não seria uma boa ideia cruzar espadas com a criatura, deslocou rapidamente seu corpo para a esquerda e cortou o que seria o abdômen do esqueleto. Ele se quebrou em dois. O problema maior ainda estava por vir, os outros esqueletos, não tão rápidos, se aproximavam juntos e os esqueletos com arcos já retesavam as flechas magicas em suas cordas invisíveis. O homem, que ainda tinha carne em seus ossos, desviou de um ataque horizontal vindo da esquerda e defletiu um que descia por cima, para depois ser acertado por uma flecha de energia negra na coxa esquerda. A dor era latente, mas suportável graças à adrenalina que corria em suas veias. O esqueleto defletido passou reto perdendo um pouco o equilíbrio, oportunidade perfeita. A espada brilhante separou o crânio da espinha dorsal. Outra flecha, mas agora direta no ombro do homem  lutando. Um ataque forte e inesperadamente rápido veio da espada do esqueleto lutando corpo-a-corpo ainda em pé. Karl tentou desviar da melhor maneira que pode, mas seu corpo já não respondia da mesma maneira. Um corte lateral no abdômen, se tivesse sido mais lento estaria segurando as próprias entranhas naquele momento.

    Com as forças que restavam em seu corpo, Karl, desferiu um golpe descuidado na direção do esqueleto. Direto nas costelas! Lascas de ossos voaram para todos os cantos. Duas flechas passaram voando por cima da cabeça de Karl. Um último desvio e emendou em uma dança estranha e patética para desferir o golpe final no esqueleto partido-o ao meio  e quebrando sua coluna. Karl com as pernas bambaleando encarou os últimos dois esqueletos em pé. Pensou por um segundo –“tudo isso por uma moeda de ouro e três de prata...”- os arcos foram retesados, a mira foi feita. Mas um herói se levantou e explodiu seu corpanzil contra uma das figuras maltrapilhas segurando arco. Bob, com uma força advinda do puro desespero, se chocou contra um dos esqueletos, o outro esqueleto hesita ao sentir a presença ao seu lado. Era tudo que Karl precisava, em poucos passos largos e cambaleantes já se aproximou do arqueiro distraído e, com um corte vindo de baixo dividiu o fêmur e derrubou o puro osso, saindo vitorioso. O outro, o que Bob atacou ferozmente, se debatia de baixo do grande corpo. Suas garras cortavam as costas que escorriam generosos fios de sangue escuro. Com um golpe final a espada reluzente é enfincada no crânio vazio que para de se debater.

    Havia algo estranho em lutar contra esse tipo de criatura, era difícil dizer quando se tinha vencido uma delas se não fosse o fato de ficarem paradas, pois era –como não poderia deixar de ser- impossível ver algum sinal de qualquer coisa que fosse naqueles seres. Bob e Karl se entreolharam, pela primeira vez os dois riram um para o outro, vitoriosos. Infelizmente, não foram vitoriosos por muito tempo. Quando perceberam estavam novamente cercados. Agora por vários homens e mulheres, todos segurando grandes bastões com metais variados em suas pontas. Karl começou a gargalhar, Bob também. Os magos se entreolham, sem saber exatamente o que fazer. Uma das figuras mágicas se aproxima:

-Senhores...- E então algo mais improvável ocorreu. Karl poderia ser considerado um dos seres em Ferelden mais experientes em guerra, pois tinha acabado de se envolver em uma luta clássica entre magos e templários e, agora, estava prestes a testemunhar uma outra luta, mas esta era muito mais antiga.

    O homem que se preparava para dar seu discurso foi interrompido por uma flecha que cruzou seu pescoço. Elfos apareceram por variados lados e ângulos, vindos das arvores ou pelo chão. Sim, era um grupo de elfos retaliando humanos. Karl e Bob, percebendo aquilo, não podiam mais reagir se não rindo, a batalha estourava ao seu redor enquanto só podiam gargalhar de suas incapacidades de terem um fim.


    
    Eai pessoal, por fora dos desafios quero fazer uma mini série desse universo que gosto tanto. Então periodicamente eu vou postando aqui.  

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